O Entalado


Na boca um gosto amargo, na garganta um aperto,
No coração uma dor, nos olhos uma desilusão.
Um contraste, o que era doce, amargo se torna, 
O que era terno, ríspido se apresenta,
O que era prestativo, duro se revela,
O que era encantador perde a magia.
O brilho caiu, um novo ser surgiu.
O novo estava revestido de outras peles,
Ao se despir, se revela, cria impacto.
A dor borbulha, a boca se cala,
Na garganta a queixa entalada, o grito sufocado.
Por não gritar, doente ficará.
Em sua sacola de remédios você encontrará,
Remédios para ansiedade, depressão, insônia e dores mil.
O entalado reprime sua angústia e perguntas mil,
No silêncio de sua dor e medo, o entalado fica a fermentar.
O entalado de tanto fermentar, igual ao enlatado vencido ficará.
Degustar o enlatado vencido, veneno se tornará,
Veneno que penetra nas entranhas do ser e, a alma adoecerá.
Veneno que agride ao corpo e, o corpo doente ficará.
Veneno que se espalha e, a todos que rodeiam contaminará.
Diante de tanto fermento só tenho a receitar,
Liberar o que está entalado, deixar fluir o reprimido.
Expressar seus sentimentos, sem temor, falar.
Esgotar o poço, limpar as pedras, secar as lágrimas.
Subir, subir, com uma voz bem forte gritar, gritar,
Despir, arrancar a tinta que tenta encobrir os sentidos,
Quebrar as cascas, os brilhos falsos, retirar a maquiagem,
Vomitar o entalado e, a liberdade conquistar.
Esvaziar, esvaziar, soltar as mágoas, ressentimentos e dores,
Soltar as raivas enferrujadas, se renovar.
Livre do entalado, um novo ser florescerá.
Altivo, sereno, feliz consigo mesmo ficará.
Um novo caminho, novas posturas, novos desafios.
Cabeça erguida, olhar firme, passos seguros.
No rosto um sorriso vibrante, brilhante por se respeitar.

Autoria, produção e publicação: Claudete de Morais
Psicóloga com formação Psicanalítica
CRP/12/01167

Maria Chorona



Chora, chora sem parar.
Nem ela sabe o que a faz chorar.
Ora é uma repreensão, ora uma frustração.
No olhar uma preocupação com a aprovação.
Está sempre a espera de valorização.
Da platéia deseja aplausos,
Diante dos aplausos e aprovação, pula de alegria seu coração.
Na indiferença ou silêncio da platéia, aflora desconforto e irritação.
Um sentimento de inadequação toma conta do coração.
Na mente uma interrogação, quanto ao motivo da desvalorização.
Sente-se diminuída, fragilizada, desconfiada, insegura.
Diante de tal sentimento, encolhe-se com medo da reprovação.
Constrói muralhas, para o medo afugentar.
Quanto mais altas ficam as muralhas, mais isolada ela ficará.
Mergulhada no caldeirão do sofrimento e da lamentação.
Está a Maria Chorona, em busca de aprovação.
Quantas Marias Choronas estão presentes em nosso cotidiano? Diante de tal quadro surge um questionamento:
Como Maria se tornou Chorona? Quais as causas?
Maria, filha muito desejada, ao nascer o trono de princesa a esperava e como tal era tratada.
Quando criança por todos bajulada, mimos e agrados lhe eram dados.
Maria cresceu entre aplausos e afagos mil, acreditando ser a estrela de brilho maior, para seus desejos não havia limites.
Ao sair do ninho paterno enfrentou ventanias e tempestades.
Surpresa ficava toda vez que as pessoas não a elogiavam e não a aplaudiam.
Sentia-se agredida, diminuída, insegura. Mil perguntas surgiam em sua mente:
O que estava acontecendo? Não agradava mais, perdera o seu encanto? Aonde e como perdera seu encanto?
Sem respostas para seu sofrimento, o pranto tomava conta de seus dias. A cada pequena frustração, aflorava o sentimento de rejeição e transformava a situação em uma grande tragédia. Sua dificuldade em superar as frustrações eram gigantescas. Os desafios eram temidos.
Ao acreditar que havia perdido o brilho, aflorava a insegurança e o sentimento de desamor tomava conta de seu coração.
Com sua auto-estima rebaixada costurava uma colcha de desilusões, criando situações que a agrediam e a frustravam, fermentando o sofrimento.
Aos pais das Marias Choronas um alerta, a super-proteção é tão nociva quanto o desamor, tornando a criança dependente e insegura.
A insegurança é a filha do medo, principalmente o medo de não ser aceita, não ser amada.
A insegurança é o desencadeador do sentimento de rejeição, ao achar que está sendo rejeitada, diante de tal sentimento perde a crença em si mesmo, criando dificuldades aonde na verdade não existem.
Amor e aplausos são importantes em nossa vida, principalmente em nossa infância, porém é importante estarem ladeados do bom senso, do respeito, da responsabilidade e principalmente dos limites.
Superar frustrações, vencer as adversidades, nos levará ao aprendizado que nos fortalecerá e contribuirá com o nosso processo de desenvolvimento e aprimoramento.
Ao vencer os desafios, às adversidades, nossa crença em nós mesmos se potencializa. Passamos a ter consciência de nossa força, de nosso potencial.
Nesta caminhada descobrimos o nosso próprio brilho sem necessitar do outro, que na verdade era o nosso espelho.
Toda vez que recebíamos aplausos, o sentimento de aprovação e valorização se fortaleciam. Nossa autoconfiança crescia, porém condicionada aos aplausos. Ao nos libertarmos do peso do espelho, nos libertamos do controle do mesmo.
Ao percebermos que somos parte de um todo, e que o respeito que tenho por mim, deve ser similar ao que tenho pelo o outro. Estaremos plantando a semente do amor, da amizade e da aceitação.
O florescer destas sementes trará a alegria e a leveza do simplesmente viver, sendo apenas, nós mesmos.


Autoria, produção e publicação: Claudete de Morais
Psicóloga com formação Psicanalítica
CRP/12/01167