Em meio a um pipocar de falas e risos, ouvi esta frase: Como é bom estar aqui, olhar nos olhos de cada um, sentir o contato amoroso do ser humano, que saudades. Alguém perguntou: você mora sozinha? Ela responde não, moro com minha família, mas quase não os vejo, só ouço os passos de que chegaram ou estão saindo, cada um no seu espaço. Nossos horários não se cruzam. Ontem enfeitei meu rosto com um largo sorriso e corri para falar com minha filha, mas ela não conseguiu tirar os olhos do celular e apressada me disse: mande o recado por mensagem, pois estou com pressa.
Esta é a realidade chocante da contemporaneidade, o mundo idealizado nunca esteve tão disponível como na atualidade. No virtual o individuo constrói sua imagem, alimenta, configura seus sonhos, revigora o ego imaginado fugindo do ego real. Quanto mais permanece no digital, mais se afastará do mundo físico. Neste padrão comportamental não olha nos olhos do outro e nem nos seus, pois não quer se deparar com seus desacertos, com a imagem que não confere com a engendrada.
O desejo frenético pela competitividade desperta no ser o desejo de mais curtidas receber, assim no vicio mergulha. Isto vem ocorrendo nas mais diversas faixas de idade, se ampliando significativamente na esfera infantil. As crianças e adolescentes estão seduzidos por este mundo mágico, colorido. Hipnotizados permanecem diante do encantamento destas produções, ao ponto de abandonarem o interesse em estudar, brincar ao ar livre, de interagirem, entre si e com os familiares, sem a comunicação digital. O diálogo é com a máquina, com o metal e enclausurados perduram em seu mundo analógico.
É através das brincadeiras infantis que o individuo aprende a sociabilizar, aceitar, compartilhar, negociar, reivindicar, efetuar enfrentamentos, lidar com as frustrações, perdas, medos, a estabelecer vínculos afetivos, desenvolvendo sua capacidade de resiliência, preparando-se para a vida.
Conjecturo como será o desenvolvimento destas crianças e adolescentes com a ausência dos contatos físicos, do olho no olho, dos abraços e afagos comuns ao interagir no mundo real? Estudos apontam um alto índice nesta população de quadros clínicos referentes à: fobia social, insônia, ansiedade elevada, pensamento acelerado, queda no rendimento escolar e muita compulsão por games, etc. Elucubrando que a maioria deles não possuem os espelhos, as referências, de adultos focados no real, pois grande parte da população adulta encontra-se ciberviciada.
Neste frenesi do virtual e no afastamento do real, a indagação é a seguinte: Para onde vamos? Dentro deste contexto, sabemos que o virtual e o físico se fundem e confundem. Não podemos negar os benefícios do mundo virtual, porém não estamos sabendo lidar com todos estes avanços, imergimos fascinados neste universo e ciberviciados perduramos.
O que fazer? Como administrar esta realidade de maneira equilibrada? Para que nossas crianças e adolescentes não sofram transtornos emocionais, num futuro próximo? Qual o legado que deixaremos? Quais as sementes que iremos plantar? Sementes de amor, generosidade, afetividade, amizade, explosões de alegrias, ou sementes de metais?
A personagem do nosso texto sente saudades do contato físico e amoroso, pois tem memórias destes afetos. Se sementes de metais forem germinadas, possivelmente estes seres humanos não terão estas memórias, pois não as vivenciaram. Para que se possa transmitir afeto, torna-se necessário sentir, viver o afeto. Indago como será a afetividade no mundo das sementes de metais? Quais as interferências das mesmas, na saúde emocional do ser humano?
Claudete de Morais.
Psicóloga, CRP 12/01167
4 comentários:
uauuu que texto lindo Clau!!! Muito inspirador
Maravilhoso texto... parabens...
Simplesmente lindo, que mundo estamos... preocupante!
Seu olhar sobre as coisas e pessoas é muito verdadeiro Claudete, texto mais do que perfeito e sincero!
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