O "Capeta"


Ao longo de minha vida profissional vivenciei muitas situações que me levaram à profundas reflexões e, a confirmações de determinadas teorias do comportamento humano.
Farei um breve relato do caso de um menino de nove anos, a quem darei o nome de Pedro. A família de Pedro procurou-me com a seguinte queixa: è impossível conviver com este menino, ele é agressivo, irrequieto, destrói tudo, tem prazer em nos fazer sofrer, não dá para os estudos, foi expulso de duas escolas, é um “capeta”. As queixas das professoras reforçavam o que a mãe afirmara. Após alguns momentos de conversa com Pedro descobri que ele gostava de desenhar. Pedi-lhe que desenhasse o que sentia, alegremente apresentou-me a folha, na qual havia desenhado o “capeta”. Perguntei:
O que você desenhou?
Não estas vendo? Sou eu, o “Capeta”. Porque você acha que é o capeta?
Todos dizem que eu sou um “capeta”, minha família, os professores, os meninos da escola, todos.
Você concorda com eles?
Sim, pois sou malvado, brigo, quebro vidros e telhados, mordo as pessoas, sorrindo afirmou: “Eu sou um capeta”.
Você gosta de ser capeta? Baixou a cabeça e com expressão de tristeza no rosto confessou:
Não, porque as pessoas não gostam de mim, elas só brigam comigo, os meninos fogem de mim.
Você gostaria de mudar?
- Dá para mudar? Quem nasce capeta, não morre capeta?
Pedro estava comportando-se de acordo com o nível de expectativa das pessoas que o cercavam, passou a acreditar neste discurso, incorporando-o, respondendo de acordo com a sua própria crença.
Nossas crenças representam o motor para o sucesso da nossa vida, ou o entrave, fator limitante do nosso potencial natural, que podem nos levar ao sofrimento.
Imaginem uma criança muito desqualificada, sendo rotulada de “capeta”, acreditando não ser amada; construirá sua auto-imagem baseada nessas experiências e irá conduzir sua vida apoiada nesse referencial.
Ao longo de nossa história, construímos nossas crenças baseados no nível de gratificações e de frustrações que vivenciamos. Neste processo edificamos nossa auto-imagem, respaldados nas sensações, percepções e experiências registradas.
As nossas crenças estão permeadas do discurso do “Grande Outro”,que na verdade são, os valores culturais, conceitos, normas e mensagens emitidas pelas pessoas com as quais interagimos. Ao mesmo tempo, aprendemos a perceber, quais são as expectativas do meio a nosso respeito. Descobrimos como devemos pensar, reagir e construímos também uma auto-imagem idealizada. Toda vez que conseguimos corresponder a ela, nossa auto-estima aumenta e, quando não conseguimos, ela é rebaixada.
A auto-estima idealizada é própria da pessoa imatura, infantil, preocupada com a opinião dos outros. Precisamos estar atentos as nossas crenças. Ás vezes torna-se necessário mudarmos as crenças, avaliar quais são os modelos que nós incorporamos e, descobrir o que realmente desejamos. O que é nosso e, o que é do outro, caso contrário, vamos viver para corresponder ao desejo do outro e não ao nosso.
A baixa auto-estima vem do sentimento de: inadequação, culpa, medo, rejeição, induzindo o indivíduo a escolhas de comportamentos que confirmem o tempo todo essa imagem. Buscamos o que acreditamos que merecemos.
Questionamos quantas crianças que cresceram e crescem acreditando serem “capetas”, possivelmente, muitas engrossam as gangues dos marginalizados, que fomentam a onda de violência e de criminalidade em nossa sociedade. Cabe a nós olhar com mais cuidado e carinho esta questão e interferir sempre que possível nestes “rótulos, que podem determinar uma vida de sofrimentos e destruição.”
Autoria, produção e publicação: Claudete de Morais
Psicóloga com formação Psicanalítica
CRP/12/01167

Um comentário:

Anônimo disse...

Ao ler o artigo me dei conta de quanto posso ter prejudicado o meu proprio filho, agora vou mudar.
Muito obrigado.